Ziriguidum Século XXI – Parte 01

Por José Lucas – jornalista
2001-2004: O Duelo entre Tradição e Modernidade
Estamos iniciando uma série de posts que irá relembrar os principais momentos da história dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro no século XXI. Chegamos a uma nova década, e por isso, é interessante olharmos para trás para analisar como chegamos a esse atual formato e momento do carnaval e como vislumbrar o futuro.
Começamos esta série pelos primeiros anos do novo século, marcado pelas mudanças absorvidas a partir dos anos 90 no quesito samba-enredo, pela relação com o público e pela novidades que faziam o carnaval evoluir.
O Fim da Hegemonia Gresilense e o Início da Era Nilopolitana
O início do século 21 começou com a manutenção da hegemonia da Imperatriz Leopoldinense, que vinha de dois campeonatos consecutivos em 1999 e 2000, alcançou o tri com seus desfiles tipicamente técnicos, frios, mas corretos. Mesmo que procurassem, era difícil encontrar falhas na escola. O estilo de enredos mais curiosos e pouco conhecidos trazidos pela carnavalesca Rosa Magalhães, comissões de frente super criativas do coreografo Fábio de Mello, a qualidade da bateria e a competência do casal de mestre-sala e porta-bandeira Chiquinho e Maria Helena, são alguns dos fatores que levavam a escola de Ramos a esse patamar na virada do século e conquistar títulos. Na Pista.
Nesse mesmo período, a Beija-Flor de Nilópolis amargou seguidos quatro vice-campeonatos, com destaque para a doída derrota de 2001 para os corações nilopolitanos. A sofrida saga de Agotime, rainha de Daomé (atual Benin) que foi acusada de feitiçaria, trazida ao Brasil para ser escravizada e depois fundaria a Casa das Minas no Maranhão, rendeu um dos melhores desfiles da história da Beija-Flor e com um dos melhores sambas-enredos da história do carnaval. Mas por causa de problemas no terceiro carro, a escola perdeu pontos em alegorias, os únicos perdidos pela escola. Mesmo com alguns problemas, a Imperatriz gabaritou em TODOS os quesitos.
Porém, a partir de 2003, o jogo começou a virar. A Imperatriz parou de ganhar e a Beija-Flor transformou a qualidade do trabalho da comissão de carnaval chefiada pelo Laíla em título. Mesmo que os primeiros títulos também sejam muito criticados, como o de 2003 (“Saco Vazio Não Pára em Pé…”) que mais parecia um filme de terror, com tantas representações de monstros para falar sobre a miséria. Com um enredo de desenvolvimento confuso e alegorias com problemas visíveis, mesmo assim, a Beija-Flor levou o caneco. Assim, como em 2004, mesmo com alegorias e fantasias se despencando pela pista graças a forte chuva que estava caindo, não impediram da escola ser campeã novamente. É só lembrar que a Beija-Flor ganhou a fama de “Ayrton Senna do Samba”, pois seus componentes parece que desfilam melhor debaixo de temporal (como ocorreu em 1986).
O Isolado Título Verde-Rosa
Entre os campeonatos de Imperatriz e Beija-Flor, a Mangueira se sagrou campeã em 2002 com “Brazil com Z é pra Cabra da Peste, Brasil com S é a Nação do Nordeste” que fora muito bem desenvolvido pelo carnavalesco Max Lopes, o “Mago das Cores”, que havia retornado à escola no ano anterior e mostrou que além de técnica, luxo e um enredo coerente, uma escola campeã precisa emocionar ao público. E emoção não faltou para a Mangueira na apuração. Numa disputa ferrenha com a Beija-Flor, a Verde-Rosa precisava levar um 9.9 para ser campeã. E essa foi justamente a última nota da escola, que ficou a um décimo da rival de Nilópolis. Porém, após 2002, a escola passou por um longo período fazendo grandes desfiles, sem ser campeã. Ficando com o vice de 2003 e um terceiro lugar em 2004, fazendo desfiles de muito luxo e grandiosidade e criatividade nas comissões de frente de Carlinhos de Jesus.
A Decadência do Quesito Samba-Enredo
Um dos propulsores do título da Mangueira era o excelente samba-enredo, um dos mais populares. Esse samba da Mangueira, como alguns sambas da Beija-Flor (destaco 2001 e 2004), são alguns dos poucos sambas bons do início deste século. Se o marasmo criativo dos compositores já estava forte nos 1990, nos anos 2000 isso até piorou, e por alguns motivos: a maioria dos sambas passaram a seguir o padrão de dois refrões (um de cabeça e um de meio), usavam em média de 16 versos, e as baterias das escolas estavam cada vez mais aceleradas, o que prejudicava a construção melódica das obras. Ou seja, era difícil encontrar um samba com algum diferencial, todos eram muito parecidos e seriam sambas facilmente descartáveis para os consumidores desse gênero. Além do mais, criou-se a cultura que o samba-enredo tem que ser FUNCIONAL, que atenda a essa estrutura padrão e à mensagem do enredo.
Para tentar melhorar o padrão das safras, a LIESA permitiu, em 2004, a reedição de sambas antigos pelas escolas. Aconteceu que num mesmo CD de sambas-enredo, estavam:
- Aquarela Brasileira ( samba de 1964 reeditado pelo Império Serrano)
- Lendas e Mistérios da Amazônia (samba de 1970 reeditado pela Portela)
- Contos de Areia (samba da Portela de 1984, reeditado pela Tradição) e
- Festa do Círio de Nazaré (samba da Unidos de São Carlos, atual Estácio de Sá, de 1975, reeditado pela Viradouro com um novo título: Pediu para Pará, parou! Com a Viradouro eu vou, para o Círio de Nazaré).
Mesmo a safra de 2004 sendo brindada com tão lindas obras, os sambas originais daquele ano nem chegavam aos pés dos reeditados.
O Boom do Patrocínio
Esse período manteve a sequência de enredos patrocinados, seja por alguma prefeitura e/ou governo estadual, ou mesmo de uma importante empresa. Isso influenciou diretamente na composição dos sambas que tinham que estar a serviço desse patrocinador. No mapa do Brasil, se viu enredos sobre Goiás, Maranhão, Porto Alegre, Petrópolis, Guapimirim, e temas patrocinados por empresas de aviação e mineração. Mas teve carnavalesco que mesmo tendo um enredo patrocinado para ser desenvolvido, deu um “jeitinho” para não falar do assunto. Aconteceu em 2002, quando a cidade de Campos dos Goytacazes, terra do então candidato a presidente da República e governador do Rio Anthony Garotinho, patrocinou o desfile da então tricampeã Imperatriz para que exaltasse a história da cidade. O que se viu no desfile da professora Rosa Magalhães, foram índios canibais, movimento modernista, Carmem Miranda, menos Campos do Goytacazes.
Os Primeiros Sinais do Novo Século
O século 21 foi esse período de transição entre elementos mais tradicionais com a introdução de novas roupagens. Nessa época, por exemplo, era comum que o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira desfilasse antes da bateria. Algumas escolas, como a Beija-Flor, começavam a mudar isso, e colocar seu casal principal logo na cabeça do desfile, após a comissão de frente.
Por falar em comissão de frente, antes do Paulo Barros mudar radicalmente nossas expectativas em relação às comissões, Carlinhos de Jesus já fazia isso na Mangueira. Depois de ter feito seu melhor trabalho em 1999, “ressuscitando” grandes nomes do samba, em 2003, o próprio coreografo fantasiado de Moisés levitou do chão da Sapucaí, no enredo que falava sobre os 10 Mandamentos.
A inserção de trupes de circo nas comissões também foi uma novidade, principalmente na Mocidade, numa parceria com a Intrépida Trupe e utilizando tripés motorizados a partir de 2003. Hoje em dia, esses tripés andam bem exagerados nas comissões.
Outro artista que se inspirou no futuro foi Joãosinho Trinta, quando estreou na Grande Rio em 2001. Mesmo não tendo uma relação clara com o enredo sobre o Profeta Gentileza, o desfile foi aberto com o vôo do dublê Erick Scott treinado pela NASA, que sobrevoou a Sapucaí graças a uma mochila movida à propulsão de Nitrogênio. Um elemento que marcou a chegada do carnaval ao novo século e reforçou o adjetivo “Louco” a João. Apesar que a ideia original era do próprio Lage para o carnaval de 1996, porém, não conseguirem concretizá-la.
Surge Paulo Barros
Mas foi através de um comissário de bordo que o carnaval voou para o futuro. Depois de impressionar com um grande desfile na Paraíso do Tuiuti no grupo de acesso, Paulo Barros faz sua estreia na Unidos da Tijuca com um enredo sobre a ciência. Nessa época, ninguém botava fé na escola que vinha de nono lugar para baixo nos carnavais anteriores. Mas o carnavalesco desconhecido mudava o status da escola e revolucionava a forma de fazer desfile de carnaval. Como? Entre tantos elementos desse desfile, ficamos com aquela torre espelhada com 127 componentes pintados de azul cintilante, fazendo movimentos muito bem sincronizados que impactaram quem assistiu. Fotografias e palavras não conseguem descrever, o que só pode ser visto em movimento.
O famoso carro do DNA é a marca mais forte do estilo de alegorias humanizadas, que já existiram através de Osvaldo Jardim, na Vila Isabel em 1993, no carro da lama, mas que com Paulo Barros ganhavam uma roupagem mais moderna. Essa revolução fez a Tijuca subir na tabela e alcançar o segundo lugar em 2004 e permitiu que Paulo Barros botasse toda a sua criatividade e ousadia nos carnavais seguintes. Mas isso é assunto para as próximas publicações.