O Carnaval Carioca por um triz do adiamento
Diante de um futuro incerto em relação à continuidade ou não da pandemia de Covid-19, escolas de samba do Rio de Janeiro suspendem pagamento dos funcionários, evidenciando uma crise financeira de muitos anos.
Na noite de 14 de julho, a plenária da Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA) reuniu os dirigentes das doze escolas de samba do grupo especial para decidir se cancelaria ou não o desfile marcado para acontecer nos dias 14, 15 e 20 (Desfile das Campeãs) de fevereiro de 2021. Acabou que a plenária decidiu postergar essa decisão para setembro, sinalizando que qualquer decisão no momento poderá ser precipitada.
Diferentemente da liga carioca, a Liga das Escolas de São Paulo em acordo com a prefeitura da cidade decidiu que o carnaval será adiado. Quando? Isso ainda não foi definido. Segundo o prefeito Bruno Covas (PSDB), em relação às escolas de samba, elas precisam de um tempo longo de preparação. Isso se tornaria muito complicado se os desfiles se mantivessem em fevereiro já que, em obediência às recomendações das autoridades de saúde para a adoção do isolamento e o distanciamento entre indivíduos, os trabalhos nos barracões ainda não foram iniciados, atrasando todo o cronograma para a confecção de fantasias e construção de alegorias.
Também em oposição ao carnaval carioca, o Poder Público de Sampa está próximo das escolas de samba, há uma interação entre as partes, algo que não acontece no Rio de Janeiro, já desde o início da Gestão de Marcelo Crivella, a máquina pública é utilizada para acabar com a maior manifestação cultural da cidade.
Fora a perseguição do prefeito, a cultura “do pires na mão”, sem haver nenhum planejamento a longo prazo, sem criar nenhum projeto de auto-sustentabilidade, levou às escolas de samba a viver uma crise financeira e institucional, que já era grave, se tornou pior com a pandemia da Covid-19.
Nessa época em que esse texto é postado (final de julho de 2020), todos os enredos já teriam sido divulgados, a ordem dos desfiles do Grupo Especial e Série A já seriam definidas, as quadras estariam abarrotadas por pessoas famintas nas tradicionais feijoadas, lotando o espaço para prestigiar os shows organizados pelas escolas de samba, ocupando as ruas nos ensaios da bateria, o carnaval do ano seguinte já estaria em construção e o estimado dinheiro de transmissão da TV Globo já teria caído nos cofres vazios das escolas de samba. Como a pandemia impediu que tudo isso que foi dito anteriormente acontecesse, as protagonistas do carnaval estão vivendo um inferno astral longe do final feliz. E nem adianta vilanizar a atual administração da prefeitura pela falta de apoio nos últimos três carnavais. Não custa lembrar que os próprios dirigentes das escolas de samba e a LIESA apoiaram a eleição do bispo, na velha metáfora das baratas que fazem campanha pela criação do inseticida.
E essa crise se tornou de domínio público quando a tradicional Estação Primeira de Mangueira, a escola de maior prestígio nacional e detentora de 19 títulos (atrás somente da Portela, com 22), divulgou a suspensão do pagamento de todos os funcionários e colaborados no dia 21 de julho. Segundo o presidente da verde-rosa, Elias Riche, há quatro meses que não se registra nenhuma receita no caixa da escola. A São Clemente, Vila Isabel e Imperatriz Leopoldinense optaram por manter os pagamentos apenas dos profissionais com carteira assinada. E outras escolas de samba também estão na corda bamba para honrar suas responsabilidades com quem contribui para o espetáculo acontecer.
Na plenária, dirigentes de seis escolas foram enfáticos: “Só vamos desfilar com a vacina”. E eles estão certos. O carnaval, uma festa feita do congraçamento de pessoas, que é impensável acontecer sem haver aglomeração, só pode acontecer de uma forma segura se todos os foliões estiverem devidamente vacinados. Isso parece possível, mas num futuro muito distante. Não tenho dúvidas que a decisão a ser tomada pela Liga em setembro seja o adiamento. Posso parecer pessimista incrédulo, mas vendo a situação que o Brasil criou para si mesmo, negligenciando a gravidade da pandemia, se surgir uma vacina até o final do ano, será que teremos estoque para imunizar milhões de brasileiros?
É só lembrar que os Estados Unidos, o país com maior número de casos e mortes no mundo todo, usou do seu poderio de nação maior do planeta para comprar 600 milhões de doses de uma vacina contra a Covid-19, produzidas por duas grandes empresas farmacêuticas, ou seja, praticamente todo o estoque. Vocês acham que sobrará uma “dosesinha” para o Brasil? Será que algum multinacional da área farmacêutica e científica dará credito ao mesmo país cujo governante disse que essa era apenas uma “Gripezinha” e faz uma campanha violenta em defesa de um medicamento contra o Coronavírus sem eficácia comprovada?
Todo esse cenário local, nacional e global, só evidenciam que é impossível fazer carnaval em fevereiro. O ideal é que todos os grandes epicentros da festa se reunissem (como propôs o prefeito de Salvados, ACM Neto) para remarcar a realização do carnaval para o meio do ano. Quem sabe em maio, se houver vacina. Mas para não haver maior prejuízo à economia das cidades e, principalmente, para as pessoas das comunidades que dependem das escolas de samba, é crucial que os desfiles não seja adiados em 2022.
É aproveitando a quarentena que espero que as escolas de samba do Rio de Janeiro utilizem esse período, sentem-se no divã e reflitem: o que eu estou fazendo para sobreviver? Será que elas existem para desfilar ou desfilam por que existem? Mais do que nunca, a hercúlea missão para evitar a própria extinção deve partir, inicialmente, delas mesmas, sem esperar que a ajuda desça do céu. E até o que cai do céu, em dia de desfile, costuma dar muita dor de cabeça aos carnavalescos e diretores de harmonia.
Carnaval é Cultura, traz benefícios à economia da cidade e ao bolso de quem vive nas comunidades. Dessa forma, seu fim deve ser evitado a todo custo. Até mesmo por quem não gosta da festa, mas que é o primeiro a comemorar a entrada de dinheiro nos cofres.