Impressões sobre os desfiles na Sapucaí do Setor 02

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Portela 2020

Por José Lucas

Nessas duas noites, acompanhamos as apresentações das escolas de samba no setor 02, que junto com o setor 03 formam o primeiro conjunto de arquibancadas em que uma escola de samba é julgada. É no começo dos desfiles que identificamos as escolas que de fato tiveram a melhor recepção com o público e aquelas que tiveram os maiores problemas.

Foi o caso de Tuiuti, Salgueiro e, com maior destaque, a Grande Rio, que abriram enormes buracos na frente desse setor. A delícia do setor 02 é ver o esquenta das baterias das escolas. Mas depois do último componente, ficamos solitários até a primeira escola chegar na apoteose e a escola seguinte começar a se armar na concentração.

Vamos ver um apanhado de informações sobre os dois dias de desfile:

Domingo

Começamos com a aula de enredo e estética da professora Rosa Magalhães, que mesmo com carros menores, eles tinham um capricho e acabamento riquíssimo, em um enredo complicado sobre a pedra, o que leva à Estácio a acreditar na permanência do grupo. Ainda mais por quê a escola não teve grandes erros em seu percorrer na avenida.

Na sequência, a Viradouro fez o desfile mais empolgante e que melhor se comunicou com o público no domingo graças ao refrão chiclete (Ô mãe, ensaboa) com paradinhas ousadas da bateria e elevou ainda mais a qualidade do samba. Todos os carros estavam impecáveis, exceto o último que teve problemas com a iluminação e o LED que iluminava o pano nas mãos da escultura da Maria do Xindó passou apagado nos setores seguintes. De qualquer forma, foi a primeira a se candidatar ao título.

Já Mangueira fez uma apresentação correta, mas fria, não teve a empolgação de 2019 quando foi campeã. Mas deixou as duas imagens do carnaval; a da Rainha Evelyn que veio representando Cristo e desfilou sem sambar; e o Cristo com feições negras sendo crucificado, com marcas de balas, lembrando que se ele viesse à realidade carioca, ele seria um morador da favela e morreria executado. O encerramento foi belíssimo, com uma escultura do Cristo ascendendo aos céus com balões verde e rosa, com uma favela ao fundo. Porém, o samba não rendeu o que dele se esperava e passou arrastado. Não deve chegar perto de brigar pelo título.

A Paraíso do Tuiuti vinha com pretensões altíssima para brigar pelo título. Porém, a imaturidade da direção de harmonia da escola jogou tudo a perder. A bateria demorou a sair do primeiro recuo e abriu um buraco enorme antes do primeiro módulo de julgadores. A evolução foi irregular, lenta no início e correu muito no final para terminar o desfile exatamente nos 70 minutos. Apesar do lindo trabalho nas alegorias e fantasias com muito luxo, por conta dos erros, do samba que não aconteceu e do peso da bandeira, deve brigar para não cair.

Logo em frente ao nosso setor, um enorme buraco se abriu. O segundo chassi do abre-alas da Grande Rio demorou a entrar na pista. A comissão de frente se apresentou frente ao módulo, o casal de mestre-sala e porta-bandeira também, e nada do carro entrar. Quando entrou, as arquibancadas vibraram muito. Daí para frente, a escola buscou se recuperar e fez um desfile muito guerreiro. O samba foi muito bem defendido e a bateria o comandou de forma bem cadenciada. Mas o destaque mesmo vai ao trabalho estético dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora para exaltar o babalorixá Joãozinho da Gomeia foi muito bem trabalhado, com materiais nunca vistos antes no carnaval, como macramê e máscaras africanas. Briga fortemente pelo desfile das campeãs.

O Hiper-realismo marcou o desfile da União da Ilha sobre a vida nas comunidades cariocas. Os carros eram gigantescos, nos remetiam ao ambiente. Porém, mais parecia a reedição da Beija-Flor de 2018, com direito a representação de um assalto em um ônibus mal acabado. Para piorar, o terceiro carro parou lá no meio da pista. Na frente do nosso setor, a escola ficou muito tempo parada. Além dos problemas de evolução, o samba não aconteceu, as paradinhas não funcionou e ainda estorou em um minuto o tempo do desfile. Infelizmente, a querida Ilha deve ser rebaixada.

Coube a tradicional Portela encerrar o desfile de domingo, perto do amanhecer. O samba foi um dos que melhor aconteceu em todo o carnaval. A comissão de frente de Carlinhos de Jesus impactou com o ritual antropofágico, em que um índio teve sua cabeça decepada. Os carros, apesar de menores, estavam bem acabados e muito lúdicos. As fantasias poderiam ser melhores. Mesmo assim, não vejo erros maiores nesse desfile e deve brigar fortemente pelo título.

Segunda

Foto: Cláudio Pimenta

Ainda bem que a chuva parou antes da São Clemente entrar na pista. A escola fez talvez sua melhor apresentação da história graças ao excelente desenvolvimento do enredo “O Conto do Vigário“, e teve uma apresentação leve, com uma leitura clara, de fácil entendimento e que nos fez sorrir pelas sacadas. Destaque para a crítica ao presidente Jair Bolsonaro, representado pelo comediante Marcelo Adnet, que é um dos compositores do samba. Acho que faltou um pouco mais de canto por parte dos componentes. Se não puder brigar pelas campeãs, não merece passar perto de ser rebaixada.

Foto: Cláudio Pimenta

Mais uma vez, a Vila Isabel entrou fortíssima para brigar pelo título, já pela comissão de frente que me deixou impressionado pelo realismo das onças que passeavam pela pista. Mas diferente do ano passado, os carros gigantescos não prejudicaram na evolução da escola. A falta de dinheiro vindo de Brasília talvez tivesse prejudicado o acabamento das alegorias. Mas tudo era de encher os olhos. O tão criticado samba-enredo foi cantado de ponta a ponta. Só o enredo que continua sendo o problema, por se utilizar de uma lenda indígena para falar dos 60 anos da capital do país. Isso pode custar o quarto campeonato da escola.

Foto: Cláudio Pimenta

O Carnavalesco do Salgueiro Alex de Souza fez seu melhor trabalho desde o enredo dos brinquedos de 2014 na União da Ilha. A escola cumpriu seu papel social e cultural de exaltar uma figura desconhecida do grande público como Benjamim de Oliveira, o primeiro palhaço negro do país. Pena que os problemas de evolução irão custar, mais uma vez, o título da vermelho-e-branco. Sem contar que o samba, apesar de bem defendido, era pobre poeticamente. Mas a escola deu um show nas fantasias e nos carros, com destaque para a bela escultura do homenageado no último carro (foto acima), briga pelo desfile das campeãs.

Foto: Cláudio Pimenta

O desfile mais frustante do ano foi da Unidos da Tijuca. Mesmo com os rumores sobre atraso no barracão tijucano, o fato de ser o retorno de Paulo Barros na escola que o consagrou, nos fez acreditar que esses boatos cairiam por terra. Porém, o que se viu, foram carros mal resolvidos, pouco criativos, com ferragem aparente. No último carro, os componentes estavam só com a blusa do enredo 2020 e short branco. O artifício para falar da arquitetura mundial foi usar módulos cenográficos, reproduzindo monumentos famosos. No nosso setor, a luzes da comissão de frente funcionaram muito bem, o que não ocorreu nos setores seguintes. E o samba, tão elogiado, não teve o rendimento esperado. Deve brigar para não cair e não será surpresa se isso acontecer.

Foto: Cláudio Pimenta

Logo depois, vinha o desfile mais aguardado da noite. A Mocidade prestou uma justa homenagem à cantora Elza Soares,  que além de ter nascido em Padre Miguel, vive um caso de amor com a escola há décadas. A comissão de frente foi um dos pontos altos desse desfile, com a imagem da artista surgindo em um holograma. Os carros não eram brilhantes, mas passavam bem a narrativa, diferente das fantasias que eram bem inferiores e de concepção ruim. O excelente samba também não aconteceu, pois o andamento da bateria estava muito para trás. O desfile, que estava bem morno, só explodiu na passagem de Elza no carro que representava a fartura em meio ao Planeta Fome. Pode brigar pelo título, mas poderia ter sido melhor o desfile.

 

Foto: Cláudio Pimenta

Os desfiles de segunda foram encerrados pela poderosa Beija-Flor, que voltou a fazer um desfile forte, grandioso, apesar do enredo muito vasto sobre as ruas. O samba também poderia ter tido um desempenho melhor. A comissão de frente com um exu com um estilo próximo a gangues de Nova York foi confusa e destoou de todo o conjunto da escola. Apesar de ter feito um desfile muito correto, não acredito que mereça o título.

Após essas duas noites de carnaval, está muito difícil de cravar quem sairá com o título, mas tenho minhas favoritas: Viradouro, Mocidade e Portela. Já Grande Rio, Vila Isabel, Mangueira e Beija-Flor correm por fora.

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